A entrevista que o "auditor fiscal" da prefeitura de São Paulo Luís Alexandre Cardoso de Magalhães deu ao Fantástico ontem é um retrato do que existe de pior no Brasil.

Não dá para calcular quantos "fiscais" agem como ele na surdina, pelo país afora, corroendo uma verba que poderia ir para a educação, a saúde e as prioridades da população. Sempre, claro, com apoio de autoridades superiores – nessa fraude, o maior figurão denunciado até agora é Ronilson Bezerra Rodrigues, que era o subsecretário de Finanças do ex-prefeito Gilberto Kassab.
Segundo o fiscal delator Luís Alexandre, Ronilson era o mais ansioso para embolsar o dinheiro: "Uma aflição absurda para receber a propina". Tinha de ser no mesmo dia. A propina chegava sempre em dinheiro vivo. As notas eram carregadas em pacotes e sacolas. A grana da corrupção era frequentemente dividida no 11o andar da prefeitura de São Paulo e pode ter custado aos cofres públicos meio bilhão de reais – quem sabe, muito mais.

Cada um dos quatro auditores fiscais envolvidos na fraude recebia entre R$ 30 mil e R$ 70 mil de propina por semana das construtoras. Por semana. É muito descaramento. De todos os lados.

As empresas pagavam com frequência metade do ISS (Imposto Sobre Serviço) devido à prefeitura para conseguir o habite-se. O auditor revela: as empresas envolvidas no esquema conheciam a fraude e sabiam quem seria o subsecretário de Finanças antes mesmo de a prefeitura anunciar o nome.

Não tem sentido desculpar as construtoras e dizer que, tadinhas, elas empregam muita gente e sabem que, se não se curvassem ao esquema, seriam obrigadas a fechar porque perderiam "competitividade".

São todos ladrões mas, até agora, não se sabe até qual degrau de cima a fraude corria solta. Talvez não se saiba nunca. Como é de praxe, "estão todos juntos" no crime, mas, na hora da cadeia, vão-se os anéis e ficam os dedos.

Luís Alexandre disse ao Fantástico que era viciado. Em mulher.

"É. Cada um teve a sua compulsão. Eu tive uma. Eu comecei a ficar compulsivo por sexo. Eu frequentava alguns locais que eram frequentados por garotas de programa e, às vezes, eu chegava às 16h e saía às 6h, ia em casa, tomava um banho e ia trabalhar. Eu nunca tomei vinho de R$ 4 mil, mas já paguei para algumas pessoas que já saíram em capas de revistas R$ 5 mil para mulher".
Ele viajava para Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, em avião particular, sempre com garotas de programa. "Ficava sábado e domingo em alto mar. Voltava, às vezes, segunda de manhã. Fiz isso algumas vezes. Não com as mesmas meninas. Levava uma. Aí, em outra viagem, levava duas.(...) Você não gasta com isso o dinheiro fruto do seu sacrifício. Gastava porque entrava. Eu quis viver".

Luís Alexandre tem um filho de nove meses com a ex-mulher, Vanessa, que ele diz ter conhecido num desses programas. E que se voltou contra ele e ameaçou contar todo o esquema. Segundo Vanessa, o ex-marido contava dinheiro no tapete da sala. "A gente contava R$ 200 mil. Lembra disso?", perguntou Vanessa em gravação.

Luís Alexandre, na entrevista ao Fantástico, não se preocupa em fingir arrependimento. Parece falar no piloto automático e diz que não quer perder a guarda do filho. Para quem pode ser condenado a 25 anos de cadeia, é otimismo. A ex Vanessa tampouco parece grande coisa. Para uma mãe perder a guarda do filho, precisa fazer muita besteira. Há histórias de agressões.

Coitado desse bebê.

E os simples mortais pensam. O que faz um servidor público? Qual a definição de um auditor fiscal? Está no site da Receita Federal :
"Sua função é fiscalizar o cumprimento das obrigações tributárias pelos contribuintes, inclusive os relativos ao controle aduaneiro, à apreensão de mercadorias, documentos e assemelhados. Em outras palavras, o auditor fiscal é a autoridade administrativa incumbida de verificar o correto funcionamento do sistema tributário. A auditoria tributária visa a fiscalização eficiente e eficaz de pagamentos e recuperação de impostos e taxas. A profissão é bem remunerada – o salário inicial de um auditor fiscal da Receita Federal é de aproximadamente R$ 13 mil".

Moral da história: não é o salário nem a posição que garantem a honestidade. Temos uma sociedade em que autoridades graúdas, políticos e servidores, roubam com uma desfaçatez que se assemelha a um arrastão gigante. Como cheguei a dizer em coluna recente, são os White Blocs.

Contamos com o Ministério Público. A sujeira precisa vir à tona e ser punida. Dói escutar o que se faz com o nosso dinheiro, com tanta gente morrendo em fila de hospital, ou vivendo sem luz, sem água e sem esgoto.

Fantástico - E se tivesse de devolver o dinheiro, Luís Alexandre?

- Não teria como. Só se eu bater na porta de um monte de moça por aí e tentar devolver e tal. Não tem como.

Fonte : Revista Época